No meu texto anterior, falei sobre a estrutura narrativa de Homem-Aranha: Longe de Casa. Como demonstrado, o longa segue a risca os itens esperados em cada um dos arcos, encaixando-se perfeitamente dentro da tradição da narrativa clássica. Um dos elementos que destaquei dessa tradição é o uso de ganchos narrativos. Nas séries, tal tática é usada amplamente para manter o interesse do público episódio a episódio, e inclusive, de bloco a bloco.
O objeto de análise desse texto será a segunda temporada da websérie potiguar Septo. E investigaremos o uso de ganchos ao final de cada episódio, bem como o payoff no episódio seguinte. Umas das coisas que não avisei no meu texto anterior foi o amplo uso de spoilers, e aqui manterei tal abordagem, pois se trata de uma análise fílmica, caso o leitor deseje uma crítica, deixarei aqui o link dos textos do crítico João Victor Wanderley para ambas temporadas, primeira e segunda, e todos os episódios da segunda temporada podem ser visto aqui. Boa leitura!
A narrativa seriada tem seus problemas, um deles é que o público precisa se lembrar do que aconteceu nos episódios anteriores, os criadores não tem controle de quanto tempo o espectador vai demorar de um episódio a outro. Algumas séries se utilizam do recurso de no início do episódio resumir os acontecimentos narrados, inclusive relembrando algo mais atrás caso tal acontecimento tenha impacto no episódio atual. A forma do gancho seria um mecanismo de fazer o público manter na memória os acontecimentos. Septo não se utiliza de resumos e depende da força dos seus ganchos para manter o público dentro da história.
Primeiro vamos identificar os padrões utilizados, para isso iremos usar os elementos fundamentais da narrativa clássica, tradição da qual Septo faz parte, causa e efeito, tempo e espaço. Nos quatro primeiros episódios, temos o padrão: a cena inicial é resultado direto da cena final do episódio anterior, inclusive tais cenas iniciais e finais ocorrem no mesmo lugar, com exceção do episódio 4, mas ocorre na mesma noite, mantendo a ligação de causa e efeito, tempo e espaço.
O episódio 1 encerra com a introdução da personagem Ana Paula que beija Lua, o episódio 2 inicia com a conversa das três no mesmo local, o comportamento enciumado de Jéssica é o efeito do beijo. O episódio 2 finaliza com Jéssica e Ana Paula se beijando, aparentemente quem fica com ciúmes dessa vez é Lua, um motif em relação ao beijo é assinalado pela narração da série, embora o elemento não volte a ser utilizado. O episódio 3 inicia ainda com o beijo, mas imediatamente Jéssica percebe que Lua não está mais ali, a conversa das duas é resultado direto do beijo, o episódio finaliza com Jéssica procurando pelo pai em casa e encontrando sinais de que ele está bebendo. O episódio 4 inicia com Jéssica encontrando o pai bebendo no bar e levando-o para casa. Na cena final temos uma quebra do padrão, nele Jéssica passa mal correndo e depois entra no mar, não temos de fato um gancho que influencie o início do quinto episódio.
Esse primeiro padrão apresenta uma lógica de causa e efeito simples, a resposta ao conflito é dada logo em seguida, não pede uma participação do público na construção da história, apenas que se lembre do ocorrido no episódio anterior, fator que já comentei, e voltarei a ele mais a frente. Já os episódios 5 e 6 se utilizam de outro padrão narrativo, o gancho inicia e finaliza no próprio episódio, similar à narrativa de filmes. Do meu ponto de vista, trata-se de uma narrativa mais complexa. Vamos a eles.
O quinto episódio inicia com Lua comprando dois anéis de coco, aqui temos o que pode ser chamado de piscadela, ou narrativa por camadas, apenas uma parte do público vai notar o significado, pois tais anéis dentro da comunidade LGBTQ+ representam o compromisso lésbico. Próximo ao final do capítulo, Lua entrega o anel a Jéssica, gancho e payoff, plantar e colher. O capítulo finaliza com ela contando ao seu pai que Lua é sua namorada, e ele aceitando tranquilamente. Aqui novamente não temos o padrão do gancho e payoff dos primeiros episódios, todavia há uma cena anterior à final em que algum personagem indefinido embarca em um ônibus, não há presença de nenhum personagem principal o que causa estranheza no público. A resposta dessa cena só será dada ao final do sexto e último episódio.
(Todavia creio que a cena do ônibus se beneficiaria de uma mudança estilística, não há clareza no seu conteúdo, algum recurso que direcionasse nossa atenção àquele personagem, ao invés disso esperamos que algum personagem principal apareça, encerro o comentário aqui, pois o texto é uma análise de um recurso narrativo e não de estilo, embora o estilo afete totalmente a narrativa.)
O sexto episódio inicia em um enterro, mas não nos revela de quem seja, a cena causa surpresa e curiosidade no público, são efeitos de uma boa narração que incita o público na construção da história. A suspeita óbvia é a morte de Jéssica que tem câncer, pistas falsas que corroboram tal hipótese são dadas no decorrer do episódio, tornando assim a morte do pai de Jéssica mais forte. Ao final do episódio temos a revelação que o personagem indefinido do ônibus é o filho de Lua, sendo assim um gancho para a próxima temporada. Todos os ganchos anteriores são com Jéssica, a protagonista da série, apesar de apreciar a construção deste pelo que citei anteriormente, não acredito que seja um final eficiente para a trama, pois não influencia diretamente a protagonista, creio que, se ficasse claro como o garoto iria influenciar a relação de Jéssica e Lua, seria mais eficaz.
Esses dois padrões me levam a uma questão: qual a função da narrativa seriada? Que motivo leva um cineasta a escolher esse formato? Disse anteriormente de um problema de tal formato, é preciso falar também das vantagens. Pela duração maior do que os filmes, as séries permitem explorar mais os personagens, o mundo em questão, sub-tramas. É um contrato entre criadores e público, onde cada episódio irá funcionar por si só como unidade dramática e vai apresentar uma nova camada daquela história, e pede em contrapartida que o público continue assistindo a cada um deles. Para mim, os quatro primeiros episódios não conseguem atingir essa unidade dramática, seus inícios e finais são ações entrecortadas, o problema não é o gancho, que, sim, funciona, mas o payoff dado logo em seguida. Uma solução seria modificar um dos fundamentos da narrativa clássica: o tempo.
O tempo lida com três fatores: ordem, duração e frequência. A ordem dos acontecimentos seria a chave nesta análise de Septo. A própria série a usa em seu sexto episódio, alterando a ordem dos eventos no enredo para atingir um efeito no público. Os episódios do primeiro padrão podiam ter iniciados facilmente com outro acontecimento, sugerindo apenas a atual cena inicial ou mudando-a de lugar. Exemplo, no terceiro episódio uma das amigas de Lua pergunta a ela o que aconteceu para Jéssica ter ido embora, este podia ter sido o começo, causaria curiosidade no público sobre o que aconteceu desde o beijo citado. Nesse mesmo episódio, existem outros dois diálogos que comentam a cena inicial de Jéssica e Lua, eles não funcionam pois informam ao público aquilo que ele já sabe, todavia se a cena inicial fosse mudada de lugar, ou até entrecortada dentro do episódio, todos os acontecimentos teriam mais força, o público teria que construir a história daquela noite.
A narrativa clássica de Hollywood é construída ao redor da clareza e redundância e é a tradição mais usada ao longo da história. Portanto, torna-se necessário que os cineastas que optem por seu uso, o façam de forma inventiva, uma delas é a retardação de uma informação, que pode beneficiar a narrativa, bem como Septo faz em seus episódios finais, infelizmente não por toda a sua narrativa.
Um adendo, durante a escrita desse texto, o primeiro episódio de Septo foi excluído do YouTube, por conter nudez. Seios ainda incomodam. Tanto esse quanto meu texto anterior focam exclusivamente na narrativa, mas há outro aspecto do Cinema tão importante quanto, o Estilo. A nudez é um elemento da encenação, que faz parte da mise-en-scène um dos quatro fundamentos que compõem o estilo fílmico. No meu próximo texto (ou talvez mais a frente) farei análise de uma produção potiguar (ou não) que utilize a nudez como… como um grande cineasta usa. Esse é o meu gancho, até a próxima!
Acredita piamente que o Pink Floyd é a maior banda de todos os tempos e que ninguém canta melhor que o Robert Plant. Tem o Scorsese como ídolo máximo e sabe que ele transformará o DiCaprio no novo DeNiro. Com Goodfellas aprendeu as duas coisas mais importantes da vida: Nunca dedure seus amigos e mantenha a boca sempre fechada.