Septo: websérie potiguar tem resultado aquém de seus talentos

O Rio Grande do Norte vem dando importantes passos no cenário audiovisual brasileiro. Com projetos particulares ou de coletivos, os produtores potiguares têm criado obras de qualidade. Porém, nem todas conseguem refletir a competência das equipes envolvidas, como a recente Septo (2016).

A história gira em torno de Jéssica (Alice Carvalho), uma triatleta de vida regrada pelo esporte. Apesar de insatisfeita, ela segue dedicada ao sonho imposto por seu pai (Pedro Queiroga). Tudo muda após conhecer a singular Lua (Priscilla Vilela).

O primeiro obstáculo é o formato escolhido. Tratando-se de série realizada para internet, os episódios devem ser curtos para não perder público. Assim, a websérie é dividia em cinco capítulos com menos de 10 minutos. Tão pouco tempo de tela atrapalha o desenvolvimento da trama.

Driblando essa dificuldade, os roteiristas Aureliano Medeiros, Frank Aleixo e Alice Carvalho recorrem a diálogos expositivos, recurso pobre em audiovisuais. Informações que deveriam ser mostradas são despejadas em falas, como a inclusão de Jéssica numa pré-seleção (algo jamais explicado), o alcoolismo do pai e a existência da ONG comandada por Lua (que não esclarece as atividades realizadas).

O desenvolvimento de personagens também é sacrificado pelo formato. Os secundários findam completamente superficiais e sem arcos próprios, como Cauã (Mateus Cardoso) e o pai de Jéssica. Já Lua é um potencial desperdiçado. Sua personalidade volátil requer atitudes, mas, infelizmente, acaba definida numa fala no capítulo de estreia. Posteriormente, nenhum gesto justifica a vida incerta proposta por ela.

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A Jéssica de Alice Carvalho

Entretanto, a protagonista é dona do melhor arco dramático. Vivendo o sonho do pai, a jovem carrega dolorosa amargura sem poder “parecer ela mesma”. Sentimento refletido no piercing em seu septo nasal, visível de acordo com seu estado de espírito. Apesar de, eventualmente, parecer falha de continuidade ao desrespeitar a própria lógica entre uma cena e outra.

A cada episódio, Alice cria nuances eficientes, como o olhar vívido e sorrisos esporádicos. A atriz entrega seu momento mais tocante nos instantes finais da temporada, onde domina sua atuação com uma dor palpável.

Alice e Priscilla se destacam. Ambas demonstram tranquilidade diante das câmeras. Mas seus bons desempenhos não suprem a falta de química quando juntas.

O interesse tardio de Jéssica pela mulher se torna convincente pela mudança em que passa, enquanto o de Lua pela garota soa superficial, como mera atração trivial. Essa falta de química interfere nas atuações, vide a cena que antecede o primeiro beijo das duas, parecendo desejo unilateral e aleatório por parte de Lua.

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A fotografia de Jomar Dantas e Julio Castro é eficiente. Os enquadramentos são sempre acertados, escolhendo sabiamente quando desfocar o segundo plano. Outro acerto é deixar a câmera estática em passagens decisivas, como na conversa entre pai e filha dentro de um carro, valorizando o clima de incômodo.

Na parte estética, a coloração opta pela uniformidade e acaba desperdiçando boas oportunidades. A escolha dessaturada reflete a vida sem brilho próprio da protagonista. Todavia, a série tem outros dois momentos de virada que poderiam ter sido traduzidos também na estética, utilizando cores e iluminação como marcadores.

Trabalhando com cinco diretores, Septo tem boa condução, embora burocrática. Destacam-se Tereza Duarte e Helio Ronyvon pelos episódios três e cinco respectivamente. Ambos destoam pela dinâmica a e o último da temporada é o mais sensível.

O material definido permite que direção e fotografia apostem na solidão de Jéssica, mostrando-a isolada em locações praticamente desertas em seu ápice dramático. Destaque para dois elementos especiais: o plano detalhe dos pés da atleta pedalando, construindo rima visual com o capítulo inicial e marcando duas situações completamente distintas, e a cesta na bicicleta, que remete a sua infância e, provavelmente, à falta que sente da mãe quando se encontra desolada.

Lua e Jessica em cena
Lua e Jéssica em cena

Septo é um marco audiovisual potiguar. Exemplo de superação, dedicação e trabalho em equipe. Mesmo com alguns pontos positivos elegantes, suas fraquezas o transformam num produto aquém dos talentos envolvidos. Que a segunda temporada possa vir melhor, continuando essa história de potencial.

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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