‘Sete Minutos Depois da Meia-Noite’: uma bela história de refúgio

Sete Minutos Depois da Meia-Noite (A Monster Calls, 2016) é uma fantasia em sua melhor hora: aquela capaz de encantar pela sua beleza e, ao mesmo tempo, nos fazer refletir sobre nossos próprios sentimentos. Dirigido pelo espanhol J.A. Bayona, o filme usa a ponte entre o real e o imaginário para analisar o conjunto de sensações e sentimentos na cabeça de um garoto no momento mais difícil da vida de todos nós: enfrentar a mortalidade daqueles que amamos.

Desde a primeira cena, Bayona nos coloca na mente de Conor, um garoto que vive uma vida solitária. A luta contra o câncer de sua mãe, sua maior companheira, ainda não foi vencida e as brincadeiras da infância foram substituídas pelas responsabilidades de um jovem adulto que precisa começar a carregar seu próprio peso. Mesmo ainda tão jovem, sua expressão é de cansaço perpétuo, como um soldado voltando de uma guerra. Em meio a uma avó controladora, um pai ausente, o tédio da escola, e colegas de classe cruéis, Conor se refugia em seus próprios devaneios em busca de conforto.

É deste mundo de fantasia que bate à sua porta a figura do Monstro, um gigantesco e imponente salgueiro antropomórfico, capaz de fazer tremer o chão com suas pegadas e que através de três contos ajudará Conor a entender a complexidade da própria condição humana e de seus próprios sentimentos frente ao medo da morte – não da nossa, mas daqueles que amamos.

O mesmo cuidado com que a história foi construída pode ser observado na cinematografia. Os filtros de cor aplicados nos remetem ao outono – não coincidentemente a estação associada à morte – e contrastam com belíssimos trechos animados em aquarela que ilustram as parábolas do Monstro. Os efeitos especiais são muito bem construídos de forma que a figura do Monstro é capaz de demonstrar tanto poder e imponência quanto fraternidade e delicadeza. Bayona é muito criativo com a linguagem visual do filme, escolhendo ângulos pouco usuais, mas que enriquecem a história sem se tornar uma distração; o uso de transições de cena combinados visualmente também encantam. A suavidade com que os desenhos e o desenhar são retratados é mais um destaque.

Lewis MacDougall interpreta Conor de forma excepcional e com grande maturidade, algo difícil em jovens atores – tem apenas 12 anos – conseguindo transitar entre os momentos de raiva, insegurança, alegria e desespero com grande competência. Toby Kebbell como a figura do pai reconstruindo a vida em outro continente consegue finalmente mostrar sua habilidade em um bom filme – ao contrário dos péssimos Espartacus e O Quarteto Fantástico. Felicity Jones no papel da mãe demonstra bem o amor maternal e a fragilidade do câncer. Mesmo com o sotaque britânico servindo de distração, Sigourney Weaver acerta em uma atuação comedida, como a matriarca de família que precisa equalizar a doença da filha e o comportamento (aparentemente) errático e violento do neto enquanto tenta exercer controle – em um momento em que tudo tenta desmoroná-la. Liam Neeson exercendo a voz do monstro é um destaque à parte, igualmente transmitindo fúria e ternura, às vezes fazendo a transição em meros segundos.

Felicity Jones

É impossível passar incólume em relação ao filme. É fato que Bayona segura algumas cenas dramáticas um pouco além do necessário para atingir o efeito desejado no espectador, mas é difícil acusar o filme de manipular a audiência quando a história em si possui uma carga emocional pesada. Talvez essa seja a maior crítica negativa a ser feita: ao trabalhar com sentimentos e sensações em um cenário familiar a muitos, estamos fadados a projetar nossas próprias experiências no filme de forma a tratar-se quase de uma sessão de terapia pelo valor de um ingresso. Se isso é algo que irá te afetar de forma positiva ou negativa é impossível dizer, mas todos os meus companheiros de cinema aprovaram a experiência.

Sete Minutos Depois da Meia-Noite atua como um lembrete de que o sofrer nunca é um ato solitário e que às vezes nossas ações valem mais do que eventuais pensamentos que podem parecer egoístas, mas que são apenas humanos. Levem lencinhos!

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Diego Paes
Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.
Diego Paes

Diego Paes

Formado em Relações Internacionais, Mestre e talvez Doutor (me dê alguns meses) em Administração, mas que tem certeza de que está na área errada. Pode ser encontrado com facilidade em seu habitat natural: salas de cinema. Já viu três filmes no cinema no mesmo dia mais de uma vez e tem todas as fichas do IMDb na cabeça. Ainda está na metade da lista dos Kurosawa e vai tentar te convencer que Kieslowski é o melhor diretor de todos os tempos.

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