O tão aguardado e falado “Somos Tão Jovens” enfim estreou nos cinemas brasileiros. O filme que se propõe a contar a história do Renato Russo antes de se tornar o mito, tem um olhar humanizado e o espírito oitentista do “faça você mesmo” em vários aspectos. O que inicialmente seria um documentário a respeito do maior nome do rock brasiliense, tomou um novo curso e transformou-se num longa-metragem inspirado nos primeiros anos da chegada do líder da banda Legião Urbana na cidade de Brasília. O trabalho, dirigido por Antonio Carlos da Fontoura e estrelado por Thiago Mendonça, divide opiniões.
Thiago Mendonça vive Renato Russo |
O carioca Renato Manfredini Júnior, era fã de rock and roll e MPB mineira, professor de inglês e estudante de jornalismo da UnB, poeta, punk e jovem. Dentre as várias facetas apresentadas aos espectadores ao longo de uma hora e quarenta e quatro minutos do filme, a que mais me identifiquei foi a do jovem cheio de conflitos internos, com uma necessidade de se expressar, de se autoafirmar. O recorte histórico escolhido mostra o Renato garoto que sonhava em ser um rockstar, em uma cidade entediante, em um período de autodescoberta, vivendo um dia de cada vez e se divertindo para se livrar do tédio com um “T bem grande”.
Para melhor compreender a narrativa é preciso falar da cidade em que se passar o filme. Brasília era o ponto de encontro dos filhos de diplomatas, professores da UnB, intelectuais e burgueses. Os jovens em sua maioria estavam ligados ao som que acontecia fora do país e mais especificamente, o da terra da rainha. Sex Pistols era a válvula de escape para uma rebeldia despretensiosa, eram os punks que tomavam conta do Planalto Central em dias de ditadura militar. Era o Aborto Elétrico, primeira banda de Renato, que inspirava os demais jovens da cidade, a formarem suas próprias bandas, o “faça você mesmo” acontecia em terras tupiniquins.
Reprodução da ícônica foto da Revista Pipoca Moderna, sobre a cena musical de Brasília |
O Brasil vivia um rebuliço musical neste período, não era o som dos violões e versos de Gilberto Gil e poesia de Chico Buarque que ressonavam no país, mas sim as guitarras de jovens nascidos em meio a um sistema político opressor, eram “os filhos da revolução, eram burgueses sem religião, a geração Coca-Cola” que tomavam de assalto a cena musical. Jovens cultos e bem instruídos faziam um som cru, alto e brutal para aqueles que quisessem ouvir o que se passava nos quatro cantos do país. No Rio, as letras das bandas tratavam de temas como praia, paqueras e amor, com a Blitz, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, o Barão Vermelho e os Paralamas do Sucesso. Em São Paulo o heavy metal e o punk também tinha força com os Titãs, Ira e Ultraje a Rigor. Todos jovens, fãs de rock a fim de diversão, munidos de instrumentos e com pouco conhecimento musical se arriscavam e faziam suas próprias músicas.
No entanto, em Brasília as coisas eram concretas, urbanas e burocráticas. Ninguém escreveu e descreveu melhor a cidade e suas relações, experiências urbanas e conflitantes como Renato Russo. O líder da Legião tomou emprestada as batida quatro por quatro, típica das bandas oitentistas da Inglaterra como The Smiths, Joy Division e The Cure para cantar suas canções pra lá de brasileiras.
O rock brasiliense já havia sido lembrado no documentário “Rock Brasília” em 2011, dirigido por Vladimir Carvalho, no entanto, apesar de louvável, o doc não foi um exímio retrato histórico da cena musical, ao menos para mim. Talvez porque sempre faltasse o ícone de todo o processo, talvez porque faltasse a voz da geração, talvez porque faltasse o Renato Russo.
Rock no concreto da capital |
“Somos Tão Jovens” não tem uma responsabilidade documental, aliás, não tem responsabilidade de nada. Aliás, até tem, mostrar a formação de diversas bandas de rock em Brasília e o curto período do “Trovador Solitário”, em que Renato tocou só com seu violão e compôs uma de suas músicas mais famosas, “Eduardo e Mônica”. O filme é uma declaração de amor a Renato, à juventude, à liberdade, à vontade de se divertir, de se expressar, sem amarras ou perfeições técnicas. O clima impera em todos os aspectos, principalmente no elenco, que conta com não atores, como o caso de Nicolau Villa-Lobos, que interpreta o seu pai, Dado Villa-Lobos, guitarrista da Legião Urbana. Até mesmo o filho de Renato está presente no filme, Guiliano Menfredini faz ponta como assistente de palco do Aborto Elétrico. Phillipe Seabra, guitarrista e vocalista da banda Plebe Rude também aparece no Festival do Milho, primeiro show da Legião Urbana em Patos de Minas.
A família Manfredini está um tanto desconfortável em cena, os atores, embora de muito talento, parecem pouco confortáveis em seus papéis. Dentro do elenco de apoio, destaco a melhor amiga de Renato, Aninha, interpretada por Laila Zaid é que se sai melhor, inclusive é a musa inspiradora de uma, se não a minha música favorita do Legião, “Ainda é Cedo”. Para quem, assim como eu, tem uma ligação com essa canção, a cena já vale o ingresso!
Aninha (Laila Zaid) melhor amiga de Renato e musa da letra “Ainda é Cedo” |
O ator Thiago Mendonça, que já havia interpretado Luciano, da dupla Zezé Di Camargo e Luciano em “Os Dois Filhos de Francisco” (2004), assumiu novamente a faceta de músico, com uma tarefa pra lá de espinhosa: interpretar um ícone de toda uma geração. Beirando o caricatural em seu Renato Russo, Thiago se esforça e se sai melhor nos momentos em que canta, seu trabalho não é fidedigno como um Daniel de Oliveira em “Cazuza – O tempo Não Para” (2004), mas no conjunto, agrada.
A trilha sonora conta com as músicas famosas da Legião Urbana, como “Ainda é Cedo” e algumas músicas inéditas do cantor que foram encontradas em seus cadernos. Quem assina é Carlos Trilha, músico parceiro de Renato em sua carreira solo.
Thiago Mendonça canta e toca em todas as cenas do filme |
O recorte histórico escolhido pela narrativa me remete ao filme britânico, “O Garoto de Liverpool” (2009), que narra a história de John Lennon, um dos grandes ídolos do Renato, em sua trajetória até o início dos Beatles. Apesar de “Somos Tão Jovens” não ser tão feliz quanto o filme inglês, o resgate e a importância de se falar e se mostrar um movimento tão marcante na música brasileira é interessante, em tempos de “besteiróis brasileiros”. Confesso que não achei “tempo perdido” ter ido ao cinema, embora também ache que “ainda é cedo” para se dizer que esta seja uma cinebiografia digna da figura de Renato Russo. Quem curte rock e quem quer saber um pouco mais sobre a vida do líder da Legião, é uma boa opção, mas sem compromisso, ok?
Uma míope quase sempre muito atrasada, cinéfila por opção, musicista fracassada e cronista das pequenas idiotices da vida. Pra sustentar suas divagações é jornalista, roteirista e fotógrafa.