Spring Breakers: garotinhas Disney estrelam obra-prima depravada

Eu não gosto de filmes genéricos, feitos para agradar todo mundo, sobre o qual se diz “é legal!”. Pra mim os piores filmes de 2013 foram Star Trek: Além da Escuridão e O Hobbit: A Desolação de Smaug. Essas franquias adaptadas de livros de sucesso também me tiram do sério. Como os filmes sempre são feitos para os fãs, os diretores apostam no lugar comum. É o caso da série Harry “Fucker”, cujo todo meu desprezo expressei aqui n’O Chaplin.

Eu gosto de diretores destemidos, que estão prontos para serem criticados e que levam sua visão para a tela, mesmo que seus lançamentos dividam opiniões. Acredito que o tempo será gentil com esses filmes, como Goethe diz: “Seja ousado e forças poderosas virão em sua ajuda”.

Nesse sentido, para mim, um dos melhores filmes do ano que passou foi Only God Forgives (“Só Deus Perdoa”, em português) sobre o qual também escrevi uma resenha (veja a resenha aqui). O longa não foi bem recebido pela crítica, mas na minha opinião, o que vale mesmo é ver um filme realmente autoral, que só aquele homem podia ter feito. O que me importa é a cabeça do diretor.

Spring Breakers está na mesma categoria de Only God Forgives. Dividiu opiniões, uns odiaram, e outros acharam uma obra-prima. Adivinhem em qual grupo estou? Harmony Korine é um diretor destemido, e mostra logo a que veio nos primeiros planos do filme. Segundo Syd Field, guru dos roteiros, os 10 minutos iniciais do filme são os mais importantes, é onde se agarra o público. O corpo na mala do carro em Goodfellas, a sessão de xingamentos em Nascido para Matar, “Eu acredito na América” em O Poderoso Chefão, são alguns exemplos de cenas iniciais que entraram para história.

Eis o que acontece na cena inicial do longa do Korine: numa festa na praia, a garotada se diverte ao máximo, inclusive com várias garotas deixando o busto a mostra, sendo que uma delas balança os seios para câmera, em câmera lenta, enquanto dois rapazes jogam bebida nelas; várias mulheres chupam picolé de forma a lembrar sexo oral, dentre outras situações.

Protagonistas do filme
Protagonistas do filme, da esquerda para direita: Faith (Selena Gomez), Brit (Ashley Benson), Cotty (Rachel Korine) e Candy (Vanessa Hudgens).

Cenas dessa festa voltam ao decorrer do filme porque elas são o paraíso, a felicidade suprema. O sentido da vida, para estas personagens são as festas, o sexo, as drogas e as “férias de primavera”, como sussurra várias vezes Alien, o rapper/gângster vivido por James Franco. E para chegar a esse paraíso as belíssimas garotinhas Disney – Faith (Selena Gomez), Candy (Vanessa Hudgens), Brit (Ashley Benson) e Cotty (Rachel Korine, esposa do diretor) – fazem qualquer coisa.

O plot do longa é o seguinte: essas belas quatro amigas vivem em uma cidadezinha chata e esperam ansiosas pelas férias de primavera, mas quando chega a hora, elas estão praticamente sem dinheiro algum, então o que elas decidem fazer? Roubar um estabelecimento. E a cena do roubo é fantástica porque o diretor opta por mostrar dois pontos de vista. No primeiro, Cotty fica no carro, enquanto Candy e Brit – mascaradas e com armas de brinquedo – entram no lugar. Faith não participa do roubo. A câmera permanece em Cotty, no carro, enquanto pelas janelas podemos ver as outras duas realizarem o roubo, mesmo que não as escutemos e vejamos apenas fragmentos do ocorrido. O roubo dá certo e as garotas viajam para suas férias. Ah, sim, um detalhe importante: tudo é filmado em apenas um plano!

Quando estão de férias, as garotas – em um estacionamento de uma loja de conveniência – decidem dramatizar o evento para Faith. Essa cena é de extrema violência. O diretor alterna cenas da dramatização e o roubo real, agora com a câmera dentro do lugar. “Quer morrer, filho da puta, eu vou estourar seus miolos”, grita Candy para Faith, que faz o papel da vitima, com o dedo na cabeça dela como se fosse uma arma. Em seguida, Korine corta para a cena do roubo, mostrando toda a violência que as duas cometeram no roubo, o que inclui ameaça aos clientes, colocar armas nas cabeças deles e até usar um martelo nas ameaças. A edição dessa cena é fantástica.

A cena do roubo em "Spring Breakers"
A cena do roubo em “Spring Breakers”

Aliás, a edição é um dos pontos mais fortes do filme. Em várias ocasiões, é feita a inserção (insert) de cenas que ainda vão acontecer (flashforward) e também flashbacks, mas não são cenas inteiras, apenas planos. Ele faz o flashforward e depois volta para a cena do presente, às vezes vai pro passado, depois faz outro flashforward, criando um interessante e onírico fluxo narrativo.

Na cena na qual as garotas são presas em uma festa, são mostrados policiais invadindo a festa, então há o insert das garotas abaladas dentro do carro da polícia. Logo em seguida, outro corte de volta para festa, seguido por mais flashforwards, quando só então é mostrado efetivamente as garotas sendo presas. A edição opta por um flashback, mostrando cenas da festa, desta vez com uma trilha triste que contrasta com a felicidade da festa, o que cria um efeito muito forte no público. Também escutamos a lamentação de uma delas, dizendo que só vieram para se divertir. A utilização dessa técnica mostrada acima serve para que, na montagem, o longa desvincule constantemente a fala do ator, criando um tipo de narração, mas na verdade as personagens estão contando algo para outras, em situações que, frequentemente, são telefonemas.

Um dos melhores flashforwards do longa acontece quando Alien, o rapper/gângster interpretado por James Franco, entra em cena. Após as garotas serem presas, Alien vai ao socorro delas pagando a fiança. Ele as leva a uma festa, mas Faith (Selena) não gosta do ambiente nem da companhia de Alien, considerando-o perigoso e ficando muito amedrontada. Ela chora para amigas e diz que que ir embora, pois algo de muito ruim vai acontecer. Assim que Faith diz isso, há um flashforward para mão de Alien tocando piano com os dedos sujos de sangue. Imediatamente, ele para de tocar e pega um revólver que estava em cima do piano. O conteúdo desse plano não é revelado logo em seguida, só perto do final do filme é que descobrimos. Esse estilo de montagem realmente me fascinou, priorizando o conteúdo emocional da cena, em vez de uma simples e sem graça lógica narrativa. Walter Murch (montador de Apocalypse Now e vencedor de três Oscars) em seu livro “Num Piscar de Olhos” diz que  o corte para atingir emoção é mais importante que todos os outros tipos juntos.

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James Franco interpreta o traficante/gângster/rapper Alien

É isso o que Korine e seu montador fazem aqui, criando uma narrativa extremamente onírica, o que me lembra muito o trabalho de Scorsese e de sua editora Thelma Schoomaker, principalmente os longas mais recentes como Os Infiltrados, no qual Scorsese mostra várias ações diferentes em uma só sequência, como na cena do encontro do DiCaprio com a psicóloga (Farmiga). Da cena do consultório, há um corte para DiCaprio em casa se lamentando e vendo fotos. A nova cena mostra partes da casa dele quando há um novo corte para ele vendo Frances cometendo um assassinato e, depois, volta para a cena do consultório, criando assim o estado emocional do personagem ao misturar as cenas. É semelhante ao que Korine faz em Spring Breakers.

Além de todo o estilo apurado de direção de Korine, outro fator de destaque é a atuação de James Franco, que deveria ser agraciada com um Oscar. Franco, para mim, era apenas o Duende Verde na excelente trilogia do Sam Raimi (tirando o terceiro filme, é claro). Então veio 127 Horas, cuja entrega do ator numa performance espetacular de Aron Ralston (autointitulado Super Herói Foda da América, haha), um alpinista que luta pela sobrevivência depois de ficar com o braço preso entre pedras nos EUA. Em um curta-metragem presente nos extras de Superbad, Franco faz um traficante doidão, mas ele eleva ao máximo o papel em Spring Breakers, fazendo o traficante/gângster/rapper Alien. Na verdade, o nome dele é Al, mas convenhamos, ele não é desse planeta!

James Franco em atuação no polêmico "Spring Breakers"
James Franco em atuação no polêmico “Spring Breakers”

É dele um dos melhores monólogos dos últimos anos: “Tem crianças que querem se tornar presidente dos EUA. Tem outras que querem ser médicos. Eu só queria ser mau. Quando me expulsaram da escola eu achei o máximo”. Ele continua mais adiante “Tem gente que quer fazer a coisa certa, eu só quero fazer a coisa errada”. Mas o melhor ainda está por vir e é quando ele mostra todas as suas coisas as garotas, suas bermudas, seu bronzeador, ao mesmo tempo que fica repetindo “Look at my shit” e “Look this motherfucker here”, segurando duas metralhadoras.  A repetição é hilária!

Spring Breakers figurou em diversas listas de melhores filmes do ano, como na da famosa revista Cahiers du Cinema, ficando na segunda posição. Além disso, ganhou diversos prêmios, a maioria pela atuação de James Franco, que venceu  várias associações de críticos como a National Society of Film Critics Awards e a Los Angeles Film Critics Association Awards, mas infelizmente o filme não conseguiu chegar ao Oscar, o que já era esperado, assim como ignoraram Drive. Trata-se de um filme muito alternativo para a Academia, mas Spring Breakers fez os seus fãs e, como eu disse acima, o tempo será gentil com ele.

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Jonathan De Assis
Acredita piamente que o Pink Floyd é a maior banda de todos os tempos e que ninguém canta melhor que o Robert Plant. Tem o Scorsese como ídolo máximo e sabe que ele transformará o DiCaprio no novo DeNiro. Com Goodfellas aprendeu as duas coisas mais importantes da vida: Nunca dedure seus amigos e mantenha a boca sempre fechada.
Jonathan De Assis

Jonathan De Assis

Acredita piamente que o Pink Floyd é a maior banda de todos os tempos e que ninguém canta melhor que o Robert Plant. Tem o Scorsese como ídolo máximo e sabe que ele transformará o DiCaprio no novo DeNiro. Com Goodfellas aprendeu as duas coisas mais importantes da vida: Nunca dedure seus amigos e mantenha a boca sempre fechada.

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