Particularmente, é muito complicado me identificar com musical. Mas o que a Netflix conseguiu produzir com The Get Down me deixou completamente fascinado. A série que estreou em agosto narra duas histórias que coexistem e se mesclam num mesmo cenário, os anos 70. Ezekiel (Justice Smith) ou Zeke é um dos melhores alunos da sua classe e possui o dom da rima, proporcionando-o facilidade em compor poemas. Na outra ponta, há a história de Mylene (Herizen Guardiola), que vem de uma família tradicional evangélica e tem o sonho de se tornar uma cantora de sucesso, o que não inclui cantar as músicas evangélicas que seu pai obriga.
O locus da série é um dos cenários mais caóticos dos EUA daquele ano: o Bronx (distrito de Nova York), que sofre com ataques de vândalos e das gangues locais. Entretanto, mesmo nesse lugar propício de acontecer situações ruins, Zeke se apaixona por Mylene e é em meio a muita música que o amor dos dois se desenrola no decorrer da série.
“É musical, eu não gosto!”, “É sobre hip-hop e eu não vou entender nada!”, são frases que algumas pessoas podem utilizar para se recusar a ver a série. Contudo, a maneira como The Get Down se desenrola nem parece um musical propriamente (e pejorativamente) dito, já que as partes cantadas são feitas principalmente por Zeke e Mylene e, quando apresentadas, o são de maneira tão suave que o telespectador nem percebe. Em alguns diálogos, Zeke já está rimando mesmo e o espectador só percebe muito tempo depois.
Além de Zeke e Mylene, também compõem a narrativa os irmãos Ra-Ra (Skylan Brooks), Boo-Boo (T.J. Brown) e Dizzee (Jaden Smith). Apesar de coadjuvantes, eles contribuem para o crescimento de outros personagens importantes, como Shaolin Fantastic (Shameik Moore). Grandes ícones da música negra, entre eles Grandmaster Flash (Mamoudou Athie) – que contribuiu na criação do hip-hop e do rap, além de praticamente criar as improvisações conhecidos hoje em dia como freestyles – também viram personagens em The Get Down.
O roteiro chama atenção para dois assuntos: os estilos de arte, como o grafite e o rap, que ainda hoje são marginalizados; e o conflito sócio-político da época. Nesse contexto, novas formas de artes que não viessem de pessoas brancas eram má vistas em Manhattan, condado mais rico que compõe a cidade de Nova York. Os conflitos sócio-políticos se resumem à guerra entre bairros por pontos de tráfico de drogas e outras operações ilícitas que gerem dinheiro para a máfia, o que é uma abordagem um tanto rasa. Mesmo assim, o roteiro consegue agradar as pessoas engajadas no movimento negro e aqueles que não o são, mas se interessam pelo assunto.
A fotografia da série é bastante influenciada pelo visual setentista, com cores vibrantes e bastante brilho. Quanto ao figurino, ele é bem divertido e contribui para dar uma excelente qualidade fotográfica a The Get Down, que, em algumas partes, parece ser filmada com câmeras da época. Destaca-se também a excelente montagem da série, especialmente a distribuição de cenas na tela que conta pelos menos 3 histórias de uma só vez. Juntamente com a trilha sonora, é um dos toques técnicos que mais chamam atenção.
The Get Down é uma aula de cultura negra americana que vale muito a pena. Divertida e empolgante são alguns dos adjetivos adequados para definir essa série com qualidade de roteiro e direção. Essas duas etapas do processo cinematográfico vêm se destacando como uma marca das produções de sucesso da Netflix e The Get Down não fica de fora dela.
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Jornalista em formação, fluente em baianês e musicalmente conduzido no dia a dia