Eu sempre assisto a filmes que supervalorizam as benfeitorias americanas (sobretudo para africanos) com um pé atrás. É muito fácil para os estúdios americanos ganhar a simpatia do público com uma emocionante história de indivíduos com um histórico de desvalorização social que são “salvos” pela bondade dos heróis estadounidenses. Eles sabem trabalhar esse tema como ninguém e é bem provável que eu, você ou qualquer pessoa caiamos em lágrimas, mesmo sabendo que os EUA não são tão gentis assim, no fim das contas. O segredo para tanto não é tão difícil de se prever: apesar do ufanismo explícito, não nos apegamos ao americano, mas a humanos, pessoas de bom coração que se tornam os bem feitores da vida de outras, e sua procedência se torna apenas um detalhe que por vezes esquecemos.
Embora às vezes descambe quase para a propaganda publicitária de um programa social, “The Good Lie” é um filme emocionante que explora uma realidade que poucos conhecem. A narrativa aborda, a princípio, a luta de um grupo de garotos sudaneses para sobreviver e chegar a um campo de refugiados em meio à guerra civil do país. Para tanto, os irmãos enfrentam não só as centenas de quilômetros a serem percorridos, como também ameaças da guerra (soldados em combates que os caçam como reféns) e naturais (a fome, animais, o clima árido). Contudo, a maior parte do filme se passa mais de dez anos mais tarde, quando quatro dos garotos, os irmãos Mamere (Arnold Oceng), Jeremiah (Ger Duany) e Paul (Emmanuel Jal) e a irmã Abital (Kuoth Wiel), são levados para os EUA, aonde esperam estudar e conseguirem construir uma boa vida. No percurso, contam com a ajuda de Carrie Davis, interpretada por Reese Witherspoon, que ajuda os desajeitados irmãos a sobreviverem em uma América desconhecida.
![The-Good-Lie-6](https://revistapagu.com.br/wp-content/uploads/2014/12/The-Good-Lie-6-1024x573.png)
Chama atenção o fato de os atores protagonistas serem refugiados do Sudão, verdadeiramente. Apesar de inexperientes, o trio principal (Arnold, Ger e Paul) conseguiram levar uma verdade ao filme que provavelmente atores renomados não teriam conseguido. A impressão que tive é que eles não se sentem atuando, mas determinados a mostrar ao mundo a sua história e a de tantos outros “irmãos” sudaneses.
Este é o primeiro filme da “retomada” de Reese Witherspoon, depois de três anos sem aparecer nas telonas. Ao que parece, a atriz estava em um retiro profissional produtivo e voltou aos holofotes em parceria com ótimos diretores e roteiros promissores. Neste primeiro filme, Reese parece ainda um pouco fora de forma, mas creio que em “Vício Inerente” e “Wild”, poderei dispensar maiores elogios à atriz. Apesar disso, sua personagem em “The Good Lie” é carismática, por vezes engraçada, e o melhor: depois de uma série de aparições medíocres após o seu Oscar de 2006, Reese ressurge em um papel para se levar a sério, apoiada por um roteiro emocionante.
A direção de Philippe Falardeau é contida, sem muitas marcas, mas acredito que o seu principal mérito tenha sido extrair competentemente o melhor dos atores sudaneses, que compõem o elenco principal e boa parte do elenco coadjuvante do filme. Apesar do ritmo lento e por vezes entediante, alguns diálogos são marcantes e nos fazem querer ver a obra até o fim dos créditos – e a dica é não deixar de ver os créditos, que nos dão uma visão maior e melhor da proposta da produção.
Ah! Atentem para a música tema do filme, “Find a Way”, tem qualidade para ser indicada à categoria de trilha sonora de alguns prêmios.
![Andressa Vieira](https://revistapagu.com.br/wp-content/uploads/2020/01/8cf6d027-a011-4105-9f1a-b9cf37155f0f-125x125.jpg)
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.