Três Anúncios Para Um Crime é duro, intenso, ácido e genuinamente engraçado

Em determinado momento, Mildred (Frances McDormand) acaba de ter, à sua maneira, um gesto de ternura com seu filho Robbie (Lucas Hedges) quando é interrompida pelo ex-marido Charlie (John Hawkes). Na sequência, vemos uma tensa agressão física seguida de um singelo instante de doçura e agressões verbais. Essa cena específica resume bem o que é essa insana montanha-russa de emoções escrita e dirigida por Martin McDonagh.

Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017) acompanha Mildred, uma mãe que busca justiça após o assassinato brutal de sua filha. Incomodada com a ineficiência das investigações, ela utiliza três outdoors para provocar o chefe de polícia Willoughby (Woody Harrelson), atitude que irrita a própria comunidade.

A direção de McDonagh é discreta e generosa, permitindo que outros elementos tenham mais destaque. Sua câmera consegue nos levar dentro da história sem chamar atenção para si. Há apenas um momento atípico, quando o diretor investe num curto plano-sequência. De resto, não existem movimentos ousados, mas a preservação da naturalidade, escolha que deixa roteiro e elenco conduzirem a produção.

A história de Três Anúncios nasce e se alimenta da raiva. Porém, o roteiro não floresce apenas disso. O fator humano é determinante aqui. Como apontado no primeiro parágrafo, os sentimentos presentes em cena são muito complexos, não cabem simplórios conceitos de bem e mal. Todos os personagens trazem camadas de qualidades e defeitos que interferem diretamente na trama, como a própria protagonista ou o inescrupuloso policial Dixon (Sam Rockwell).

A primeira sabe que tem razão ao questionar a ineficiência da investigação, mas, por vezes, extrapola os limites do direito e acaba por tomar atitudes moralmente questionáveis. Já o segundo é uma figura desprezível. Racista, autoritário e incompetente, ele também mostra algum resquício de moral. Ninguém aqui é completamente bom ou ruim, todos são humanos.

Os diálogos são inteligentes, ácidos e dinâmicos. Apesar de partir de uma premissa pesada e conter muita dor, o filme consegue ser genuinamente engraçado. A cena entre Mildred e o padre é impagável, além de acertadamente crítica. Outro fator a ser destacado é imprevisibilidade. Durante a jornada, começamos a fazer projeções que, repentinamente, começam a cair por terra. E isso acontece sem que a história recorra a reviravoltas estapafúrdias.

Apoiada no ótimo roteiro, a atuação de McDormand é a maior força da obra. A experiente atriz, que é de uma versatilidade surpreendente, domina a tela com voracidade. Todos os acontecimentos e personagens reagem à sua presença imponente. Ela é de uma firmeza forjada na raiva e na violência doméstica sofrida. Até por isso, trata os demais com rispidez e intolerância. Mas também é uma mulher fragilizada pela perda, incompleta.

McDormand e Woody Harrelson têm excelente química juntos

O brilhante elenco ainda conta com estupendas atuações de Rockwell e Harrelson. O primeiro, como já dito, interpreta uma figura controversa. O ator tem um trabalho preciso de construção e evolução de personalidade, iniciando de uma forma diferente da que termina. O segundo é carismático num papel que se apresenta como um típico policial do interior dos EUA, mas mostra bem mais profundidade.

Três Anúncios Para Um Crime é um filme duro, intenso e potente. Além de crítico à postura da polícia, transita por temas como violência doméstica, racismo e a vida em comunidade. Mas também é uma obra dona de um peculiar e ácido humor negro. Escrito e dirigido com extrema competência, mostra que vai brigar duro pelo Oscar 2018. Filmaço!

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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