True Detective – 3ª Temporada resgata estilo da série e entrega boa trama policial

A primeira temporada de True Detective (2014 – 2019) se firmou entre as produções diferenciadas da TV. Além da qualidade cinematográfica, mostrou que a telinha pode ser sedutora para nomes consolidados em Hollywood – e não apenas uma alternativa para astros menos badalados. Porém, vítima da própria qualidade, quase foi cancelada em 2015 devido ao conturbado segundo ano.

Após um hiato de 4 anos, a atração retorna à TV resgatando a fórmula bem-sucedida, decisão que ampara os fãs e dá a sensação de homogeneidade habitual às produções seriadas. Em sua terceira temporada, acompanhamos os detetives Wayne Hays (Mahershala Ali) e Roland West (Stephen Dorff), responsáveis pela investigação do desaparecimento dos irmãos Will e Julie Purcell.

Com o sucesso inicial, o criador e roteirista Nic Pizzolatto optou por entregar uma segunda temporada estruturalmente diferente, situando sua história numa única linha temporal e oferecendo um trio de protagonistas. A mudança no estilo e o enredo desnecessariamente complicado acabaram por afastar a audiência.

A investida não funcionou e Pizzolatto compreendeu que o caminho a ser tomado era o retorno às origens. Assim, temos novamente uma dupla de detetives com personalidades bem distintas, uma aparente relação com uma seita misteriosa e, por fim, uma trama dividida em três linhas temporais: 1980, com o desaparecimento das crianças; 1990, com a reabertura do caso; e 2015, quando Wayne relembra a investigação durante uma entrevista.

Se, originalmente, tínhamos duas personagens centrais bem equilibradas dentro da narrativa, aqui o destaque é muito maior para Wayne. O protagonista traz uma personalidade complexa e introspectiva. Sua obsessão por encontrar a verdade conduz cada minuto do que vemos em cena. O roteiro encontra respaldo da excelente interpretação de Mahershala Ali, que constrói uma figura inquieta.

Stephen Dorff e Mahershala Ali vivem, respectivamente, Roland West e Wayne Hays

Sua relação com a esposa Amelia Reardon (Carmen Ejogo) dá profundidade ao detetive ao mostrá-lo como um humano quebrado, incapaz de se entregar por inteiro à vida familiar e como esse desgaste interfere na investigação. Também é legal apontar a figura dúbia que é Lucy Purcell (Mamie Gummer), uma mulher perturbada que tem ideias controversas sobre família e relacionamento.

Entretanto, mesmo trazendo bons pontos positivos, a série comete alguns deslises. Enquanto escreve sobre o triste caso dos irmãos Purcell, Amelia tenta obter informações e se mostra mais eficiente que a polícia em determinados pontos, mas seu marido desenvolve uma resistência pouco convincente ao material, recorrendo a ele apenas quando a história parece estar encurralada – e faz isso mais de uma vez!; as bonecas que sugerem algum misticismo não passam de um artifício barato para despistar a atenção do público; a condição relacionada à memória de Wayne também é desperdiçada, já que tinha potencial dramático para humanizar a personagem e ser um agravante na investigação, mas basicamente só existe para funcionar num determinado momento.

Já em sua camada mais profunda, o roteiro quase ignora o fato de Wayne ser um negro no meio de uma corporação majoritariamente branca, outro fator que poderia servir como barreira para a investigação e, também, para trazer alguma discussão mais relevante, como foi a dicotomia entre luz e trevas vivenciada brilhantemente por Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Marty Hart (Woody Harrelson), lá em 2014.

Visualmente, a produção é irretocável. Direção e fotografia trabalham cada cena com total falta de pressa, criando tensão e atmosfera adequadas à história. A direção de arte é precisa na recriação das épocas, tanto pela qualidade do trabalho quanto por ajudar na identificação de cada linha temporal.

A rica direção de arte traz o marrom nas cenas e conta com maquiagem impecável

Em 1980, a fotografia mais escura destaca o marrom, predominante nos objetos de cena e figurinos. Já em 1990, a iluminação é mais aberta e a presença de cores mais claras permeiam os figurinos. Por fim, 2015 traz uma iluminação mais quente e conta com um jogo de cores no figurino que dialoga com as demais linhas temporais.

O marrom permanece em cada narrativa, principalmente nas vestimentas de Wayne. Uma maneira elegante de afirmar visualmente que o protagonista segue preso ao passado, já que a cor em si remete ao antigo e predomina em 1980. Maquiagem e cabelo também são determinantes, principalmente por serem tão convincentes na transformação das personagens.

Mahershala Ali entrega mais um trabalho irretocável. O astro é cirúrgico ao criar uma figura complexa e introspectiva, se destacando também em sua versão mais velha – reparem na inflexão vocal e em detalhes como a mão trêmula. Menos talentoso, Stephen Dorff se sai bem em cena, mesmo que sua personagem tenha menos espaço. A dupla entrega boa química, principalmente pelo fato dos dois detetives demorarem a se aproximar de fato. Por boa parte da história é visível um incômodo de ambos, embora exista respeito.

Carmen Ejogo tem uma participação magnética, capaz de nos fazer sentir sua ausência. A atriz faz de Amélia uma figura de inteligência aguçada e de sensibilidade, tendo uma leitura melhor dos fatos do que os próprios detetives.

Carmen Ejogo é um dos destaques da atração

A terceira temporada de True Detective acerta ao voltar às origens. Cria uma atmosfera de tensão e curiosidade eficiente, nos mantendo sempre interessados. Tropeça em pontos relevantes e não é tão repleta de camadas, o que a faz funcionar melhor como exemplar de gênero do que como uma obra substancial. Mesmo assim, consegue ser uma atração policial eficiente e bem executada. Ótima retomada.

 

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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