Um Lugar Silencioso: tensão angustiante e cinema de alta qualidade

Os trailers são interrompidos, a sessão vai começar. As luzes se apagam e a logo do estúdio estampa a tela enorme da sala de cinema. Aos poucos, somos apresentados aos protagonistas dessa história simples e inusitada, mas já de cara temos nossas emoções testadas. Um baque que nos acerta em cheio e que nos deixa apreensivos por todo o resto da produção, que tem no som – e, principalmente, em sua ausência – a sua maior força sensorial.

Em Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), uma família precisa do mais absoluto silêncio para sobreviver a uma ameaça incompreensível, um perigo que é atraído pelo barulho.

Estamos diante de uma premissa extremamente básica: quem fizer qualquer ruído, morre. Entretanto, sua simplicidade não deve ser tratada com descaso, principalmente pela enervante direção de John Krasinski – que também protagoniza a obra. Ele consegue criar uma atmosfera de tensão surpreendente do início ao fim, mesclando momentos de apreensão e respiro, até que respirar parece deixar de fazer sentido para o diretor, e isso é maravilhoso.

O filme remete ao suspense de M. Night Shyamalan em Sinais (2002) e A Vila (2004), tanto pela forma como esconde a ameaça quanto pelo tom bucólico. Só que Krasinski consegue impor mais vigor, ímpeto. E as comparações não param aqui, Um Lugar Silencioso provocou em mim o que Corra! (2017) apenas sugeriu provocar. Enquanto este falha como suspense/terror, sendo mais efetivo no humor ácido e na denúncia social, aquele é um perfeito exemplar do gênero, nos contorcendo emocionalmente. Interessante compará-los já que ambos são conduzidos por cineastas que vieram do humor.

A tensão é criada a partir de duas características: introduzir o espectador à problemática futura e a utilização do som. Por vezes, foca algum elemento, deixando claro que ele será determinante à frente. Mesmo sabendo quais coisas vão acontecer, somos envolvidos nas situações pela competência em que são mostradas.

É preciso esclarecer que essa escolha não transforma o filme em previsível. A previsibilidade se dá quando a história tenta nos surpreender, mas a pobreza narrativa nos permite deduzir o que vai ocorrer. Aqui, a trama nos prepara para algo, anunciando alguma coisa para nos deixar mais aflitos, como o brinquedo à pilha ou o prego na escada.

O som é uma ferramenta primordial na imersão sugerida. Sempre que ganha destaque, parece se apoderar da tela e tem muita importância na inversão de valores proporcionada aqui. É comum nos filmes recentes de terror a promoção de sustos gratuitos, através de ruídos altos ou elementos que surgem inesperadamente, os chamados jump scare. Se, normalmente, essa técnica fica manjada por baixar o som antes do susto, aqui ela é utilizada com maestria, já que o silêncio está muito presente. Fica difícil saber quando o susto vem!

Ainda podemos atribuir valor na construção de personagens. A dança entre Krasinski e Emily Blunt auxilia na ternura. À media em que ela direciona um fone de ouvido na direção dele, a música cresce até ser plena. Já quando a filha deficiente auditiva do casal está em foco, todo o som é retirado, nos pondo em seu ponto de vista.

Escrito por Bryan Woods, Scott Beck e também por John Krasinski, o roteiro constrói uma narrativa ágil, ao mesmo tempo que não tem pressa e nem necessidade de mastigar todas as respostas. Somos jogados no meio da história, a única informação que temos inicialmente é que já se passaram 89 dias desde o acontecimento que deixou a cidade no estado em que está. O ambiente vai sendo apresentado através de elementos como um quadro com perguntas, um mural de desaparecidos e jornais espalhados pelo chão.

A construção de personagens é muito eficiente, até pelo fato de serem poucos em cena. É muito fácil nos apegarmos a todos eles, tanto pela empatia quanto pelas ótimas atuações. Krasinski e Blunt, que são casados na vida real, interpretam os pais. Ele dá vida a um pai cuidadoso, inteligente e bem preparado no que se refere à segurança da família. Sua postura tranquila transparece a sensação de segurança que os filhos esperam dos pais em situações de estresse.

Mas Blunt consegue se destacar pela naturalidade de suas feições. Ao mesmo tempo em que demonstra doçura e carinho no olhar, também demonstra dor e medo. E quando precisa passar força, ela é completamente convincente – vide a cena da banheira…

Millicent Simmonds, que é deficiente auditiva, como sua personagem, dá vida a um verdadeiro gatilho de tensão. Da mesma forma que não pode ouvir sons que a deixariam amedrontada, ela também não tem ideia de quando faz barulho, isso a coloca em situações realmente perigosas. A atriz protagoniza dois momentos bem emocionantes, um singelo envolvendo alguns aparelhos auditivos e outro que… Meu Deus!

Um Lugar Silencioso é ágil, envolvente, impetuoso e manipula nossas emoções com muita competência. Tem uma direção surpreendente e atuações realmente tocantes. Para ser absorvido da forma ideal, é primordial que o ambiente da exibição esteja em total silêncio, só assim para a imersão ser completa. Mesmo contendo alguns pequenos tropeços, atos falhos convenientes ao caminhar da trama, é um exemplar tão envolvente que, ao fim da experiência, é quase impossível se importar com tropeços tão insignificantes. Filmaço!

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João Victor Wanderley
Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d’O Chaplin… E “A Origem” é o maior filme de todos!
João Victor Wanderley

João Victor Wanderley

Radialista por formação e jornalista em formação. Minha paixão pelo cinema me trouxe ao Chaplin; minha loucura, ao Movietrolla. Qualquer coisa, a culpa é d'O Chaplin... E "A Origem" é o maior filme de todos!

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