Uma análise sobre Festim Diabólico

Cena do filme Festim Diabólico

Começo essa postagem pedindo perdão ao meu querido amigo Túlio Araújo por fazer uma segunda participação no blog acerca do filme hitchcockano Festim Diabólico (Rope, 1948). Há alguns meses, Túlio fez uma excelente postagem a respeito (confira aqui) com o brinde do link para download do filme. Contudo, hoje tive o prazer de assistir a essa incrível produção, na qual o suspense não precisa de artimanhas. Ele está presente naturalmente, como uma aura, durante quase todo o filme. Meu texto será muito menos crítico e mais analítico acerca de aspectos notáveis da produção.

O filme inicia-se atribuindo ao espectador uma posição importante e privilegiada: a de cúmplice. À medida que o espectador conhece o fato acerca do qual o filme de desenrola e suas espeficidades, ele tem o papel de analista de todas as diferentes personagens presentes no ambiente e da situação. Papel esse que se torna indispensável frente a construção da película. O diálogo é constante, peça fundamental no enredo de construção muito bem formada. Traz, em seu desenrolar, novos fundamentos sociais e estudos acadêmicos que estavam ganhando visibilidade no fim da década de 40, sobretudo, no ramo da Psicologia, como a Psicanálise e o Behaviorismo.

Do Bahaviorismo temos a relação de dominação entre os dois protagonistas, Brandon e Phillip. O contato dos dois muito me lembra os meus tantos episódios de Criminal Minds, com suas duplas de assassinos que seguem o padrão dominado-dominante, em que o dominante é mais forte, determinado, autoritário e controlador (Brandon), enquanto o dominado (Phillip) é mais fraco, receoso, recluso e tem sérias tendências para o remorso após a prática das ações influenciadas pelo dominador. Essa relação é ligada por um fator sexual, o qual alguns espectadores podem ter notado no filme, contudo, Hitchcock não explicita esse elo.

Alguns aspectos muito me chamaram atenção no filme. O primeiro deles é a temporalidade: o tempo do filme é o tempo da estória. Uma técnica cinematográfica para intensificar o caráter de realidade da produção. Em nenhum momento, o diretor tenta fugir da linguagem do cinema, tanto que faz uso de excelentes técnicas para afirmá-la, mas o caráter de realismo é aguçado no filme por essas mesmas técnicas. A impressão que se tem é que o filme é feito praticamente sem montagem. A câmera acompanha constantemente as divagações do diretor (e os movimentos dos personagens) por todo o ambiente que serve de cenário. O único momento em que a câmera visivelmente foge de uma cena e passa a outra se dá na transição entre as duas primeiras cenas: a primeira, o fim de tarde de uma cidade e a segunda, já dentro do apartamento onde se desenrola ininterruptivelmente todo o restante do filme. Os outros cortes feitos no decorrer do filme são disfarçados por móveis ou outros objetos que cobrem a câmera por uma fração de segundo. Quando se une, a isso, a sincronização do som, é quase impossível verificar um corte de montagem.

As escolhas de Hitchcock no filme são dignas de mérito, de forma a amarrar o enredo do filme sem falhas. Outra escolha admirável é o elenco. Apenas um excelente elenco conseguiria dar forma ao ritmo dinâmico do filme sem comprometê-lo.

Como falei no início, o filme tem uma aura de suspense sem precisar de artifícios. Ou seja, não são usadas trilhas sonoras características do gênero, ou mesmo aparições bruscas, ou expressões de terror. Ao contrário: o que admira é o ritmo quase tranquilo do filme associado a expectativa constante e crescente do espectador que, como cúmplice, está sempre esperando que “algo aconteça”.

Por fim, tive a impressão de estar em um livro de Agatha Christie durante todo o filme. Ao contrário da maior parte do cinema americano da época, Festim Diabólico não subestima o espectador, mas credita e atribui uma importância a ele sem a qual o filme não teria a mesma essência.

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Andressa Vieira
Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.
Andressa Vieira

Andressa Vieira

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.

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Aline Freitas
12 anos atrás

Um filme muito bom de Hitchock!O famoso plano-sequência.
O vilão Brandon, ele sim era o ser inferior dali. Muito bom, muito bom.

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