Lembram-se da antropofagia, o conceito proposto por Mário de Andrade que fundamenta o Modernismo nas artes brasileiras? Depois de quase 100 anos, é esse o conceito que ajuda a explicar a animação “Uma História de Amor e Fúria”, que agora está disponível ao grande público nas principais salas de exibição no Rio de Janeiro após rápida apresentação durante o Festival do Rio em 2012.
A animação – dirigida por Luiz Bolognesi, roteirista do elogiado “Bicho de Sete Cabeças”, de 2001 – usa o gênero desenvolvido nos EUA e no Japão para falar de História do Brasil em simbiose com uma história de amor, a de Janaína (dublada pela atriz Camila Pitanga) com um guerreiro indígena (dublado por Selton Mello) que pode se reencarnar na figura de um pássaro e este consegue retornar a forma humana muitos anos depois, sucessivas vezes. Essa condição sobre-humana do protagonista tupi-guarani permite que a narrativa da animação made in Brazil possa atravessar seis séculos e contar, de uma maneira diferente, alguns episódios da nossa história: a colonização por povos europeus, no século XVI; a Balaiada, revolta popular ocorrida no Maranhão em 1838 e a ditadura militar, que foi de 1964 a 1985.
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“Meus heróis nunca viraram estátua. Morreram lutando contra quem virou”: é o tom da perspectiva crítica da história brasileira que permeia o longa de animação “Uma História de Amor e Fúria” |
O diretor também aposta em falar de um Rio de Janeiro futurista, onde o bem mais precioso é a água – cuja quantidade para cada indivíduo é fortemente controlada por megacorporações. Quanto a esse último episódio, pode-se enxergá-lo como uma metáfora das milícias cariocas que regulam a circulação do transporte público e a venda de gás, de pacotes de TV a cabo e de internet nas favelas da cidade.
Apesar dessa sinopse indicar um filme um tanto didático, “Uma História de Amor e Fúria” não é voltada para o público infantil, mas para os jovens e adultos. Esteticamente, a animação não deixa nada a desejar às produções americanas do gênero, as quais – revelou o diretor numa entrevista ao jornal O Globo – inspiraram o longa. Pelo fato de estarem num gênero quase inédito no Brasil, as boas sequências de ação, nudez e sexo surpreendem os espectadores. A trilha sonora – original em alguns momentos, mas que também toma emprestada boas canções de bandas brasileiras, especialmente o Nação Zumbi – encaixa-se perfeitamente na trama.
Pretendendo contar a história do país a partir de uma perspectiva crítica, “Uma História de Amor e Fúria” decepciona ao tratar a luta entre opressores e oprimidos em tom simplista. A luta é vista de uma maneira absolutamente maniqueísta. A proposta de usar pequenos episódios para tentar explicar um processo que dura mais de 500 anos enfraquece os diálogos e torna as personagens demasiadamente ingênuas. Mesmo assim, a sensação que o filme provoca é a de que o gênero de animação pode se desenvolver primorosamente no Brasil. Só falta que se encontre o tom adequado.
Sagitariano carioca que mora em Natal. Jornalista formado pela UFRJ e UFRN. Apaixonado por cinema, praia e viagens.
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