Quem assistiu ao longa brasileiro Lisbela e o Prisioneiro (2003), lembra do cinema em episódios que a personagem principal (Lisbela) adorava e com o qual sonhava constantemente, desejando que sua vida fosse semelhante. Hoje em dia, com séries de TV e novelas, é quase inimaginável que a indústria cinematográfica produza filmes para serem exibidos dia-a-dia subdivididos em partes.
Contudo, essa técnica desenvolvida no cinema pioneiro muito me encanta – talvez por eu não ter estado lá – e por esse motivo trago hoje um texto sobre um aspecto da incrível personagem do cinema clássico mudo: Irma Vep, do filme seriado Les Vampires (1915), dirigido pelo francês Louis Feuillade, inspiração para nomes como Fritz Lang e Luis Bruñel.
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Musidora como Irma Vep |
Quem lembra da clássica malha preta utilizada pela Mulher-Gato, personagem criada em 1940, mas adaptada para os cinemas, sendo interpretada por nomes como Michelle Pfeiffer, Halle Berry e, mais recentemente, por Anne Hathaway? E a famosa roupa gótica do Batman?
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Michelle Pfeiffer como Mulher-Gato |
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Mulher Gato e Batman |
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Mulher Gato |
Irma Vep (um anagrama para vampire), a ladra interpretada pela consagrada atriz francesa do cinema mudo, Musidora, antecipou as fantasias compostas por malhas pretas ao estilo gótico utilizados por heróis e bandidos posteriores do cinema.

É comum identificarmos em filmes, séries e desenhos animados a malha preta relacionada a uma atividade de ação, em sua grande maioria, dos vilões. Um exemplo é assassina interpretada por Charlize Theron no filme de 2005, Æon Flux, uma das adeptas à moda da malha preta.
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Charlize Theron interpreta uma assassina em Æon Flux (2005) |
Embora o título do filme faça referência a vampiros, não é esse o tema da produção de 10 capítulos criada para competir pelo público na indústria cinematográfica francesa do início do século passado. A película trata de um bando de ladrões e não deve ser classificada como um filme de terror. Agora considerado uma obra-prima de Feuillade e um exemplo de modernidade para os primórdios do cinema, na época o filme foi desprezado por aqueles que buscavam um cinema artisticamente mais evoluído e também por aqueles que o julgavam amoral. Os eventos fantásticos em locações reais impressionam e só se fizeram possíveis devido ao recrutamento para a Primeira Guerra Mundial, o que deixava Paris com um ar vazio e sinistro. Les Vampires foi um dos pioneiros na história do cinema em documentar o fantástico, fugindo às impossibilidades técnicas da época.
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Cena do filmes Les Vampires |
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Cena do filme Les Vampires |
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Musidora como Irma Vep |
Musidora, nome artístico de Jeanne Roques, foi escolhido por advir do grego com significado relevante: presente das musas. A atriz virou um símbolo do gótico e da maldade feminina após a sua atuação como Irma Vep e a sua parceria seguinte com Feuillade, o filme Judex (1916). Seu olhar forte e a maquiagem pesada a faziam ser comparada com a atriz americana Theda Bara, a quem também é atribuído o estilo vamp girl por atuações como a exótica femme fatale em Escravo de Uma Paixão (1915) e Cleopatra (1917), um dos filmes da produtora Fox que se perderam.
Musidora também chegou a trabalhar como diretora e roteirista, morrendo em 1950, aos 68 anos.
Em 1996, a personagem Irma Vep ganhou um filme homônimo inspirado nela, no qual a personagem principal é interpretada pela atriz Maggie Cheung.
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Maggie Cheung como Irma Vep (1996) |

Jornalista, cinéfila incurável e escritora em formação. Típica escorpiana. Cearense natural e potiguar adotada. Apaixonada por cinema, literatura, música, arte e pessoas. Especialista em Cinema e mestranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). É diretora deste site.