Chegamos a terceira parte da série de textos sobre o Oscar da última década (2011-2020). No texto anterior terminei falando sobre os planos longos, e aqui continuarei detalhando tal aspecto estilístico da Cinematografia, junto com outros elementos. Refrescando a memória, dos vencedores de direção da década, cinco se utilizam amplamente da ferramenta, são eles: Gravidade, Birdman, O Regresso, La La Land e Roma. Irei deixar os mexicanos esperando pelo próximo texto e é hora de focar no filme do menino prodígio Damien Chazelle, é hora de cantar as estações.
O Oscar 2017 ficaria marcado por um estranho acontecimento ao anunciar o vencedor de melhor filme, mas vamos relembrar as coisas boas. La La Land venceu os oscars de melhor direção, atriz principal, fotografia, design de produção, trilha sonora, canção original. Aquele ano ainda contou com outros grandes filmes, destaco dois: A Chegada e Moonlight. A Chegada acabou ganhando apenas um oscar, edição de som. Moonlight levou três para casa: roteiro adaptado, ator coadjuvante e o prêmio principal da noite, melhor filme.
Damien Chazelle, Denis Villeneuve e Barry Jenkins provavelmente são os diretores da nova geração que marcaram a década. São respectivamente os diretores de La La Land, A Chegada e Moonlight. Noutro texto voltarei a eles.
Não Corta! Long Long Land
Voltando ao prometido, hora de analisar os planos longos de La La Land. Mas como sempre, algumas coisas antes. O filme abre orgulhoso do seu formato de tela em CinemaScope (tem texto aqui sobre!) com aspect ratio de 2.55:1. Sim, estamos falando sobre Enquadramento. A escolha do formato de tela é uma das decisões dentro das possibilidades do enquadramento, não são apenas faixas pretas em cima e embaixo, ou nas laterais, o quadro impõe um ponto de vista. Vamos então a ele, observem esse plano do filme (Figura 1):
É um bom exercício falar de enquadramento partindo de formatos de tela que emulam o CinemaScope (anamórfico), pois este trouxe diversos problemas de enquadramento aos cineastas. O espaço vazio deixado quando se filmado apenas um ator era um deles (singles), aqui Chazelle utiliza da câmera de vídeo e de outra atriz para completar as laterais do plano, deixando Mia (Emma Stone) centralizada. Funciona também para situar o local da cena, já que ela toda será feita em apenas um plano e com apenas movimento de câmera para frente (push in).
O movimento de câmera continua em direção a Mia, agora os espaços laterais são preenchidos só pelo cenário, mas a posição centralizada e frontal de Mia (encenação) e o uso de uma lente com pouco profundidade de campo (perspectiva) – o fundo tá fora de foco – mantém nossa atenção na personagem (Figura 2). A câmera continua, Mia dando seu melhor na audição, estamos em um close-up (tipo de enquadramento relacionado a distância da câmera), mas a porta chama a nossa atenção, alguém surge na janela da porta, mesmo fora de foco, o movimento é uma das principais formas de direcionar o olhar do público (Figuras 3 e 4). Falaremos como Chazelle move seus atores pelo plano mais adiante.
O teste é interrompido, mas a câmera continua em Mia, enquanto aguarda por alguma instrução, o ponto de vista da cena está comprometido com ela e suas emoções. Sim, passamos pelo primeiro plano longo de La La Land. Pudemos comentar vários elementos da fotografia – enquadramento (escolha de formato de tela e distância da câmera), perspectiva (escolha da lente e foco), mobilidade do quadro (push in) e duração do plano (plano longo), falemos mais desse último.
Aqui, o plano longo enfatizou a performance da atriz e as pequenas mudanças que ocorriam a volta. Como coloquei no texto anterior, o plano longo cria seu próprio padrão de desenvolvimento (início, meio e fim), sem os cortes, podemos notar as mudanças acontecendo, e vamos emergindo nele, assim servindo a mise-en-scène.
A cena seguinte também é filmado em apenas um plano. Mia saiu derrotada da audição, a câmera a acompanha num movimento para trás (track out) nos revelando as outras candidatas no corredor, a interação com a mise-en-scene revela novas camadas da cena (Figura 5). Ficamos com ela novamente, agora para testemunhar sua dor. O tempo dedicado a essas ações através do plano longo amplifica o efeito dramático. Como podemos notar, os planos longos não são apenas para criar sequências mirabolantes, mas funcionam de maneiras sutis, às vezes sem percebermos, servindo à narrativa (mostrando a quantidade de atrizes aspirantes) e expressando emoções (o caminhar da derrota). Deixo a questão, se houvesse cortes, a cena teria o mesmo efeito?
A Arte da Encenação em La La Land
Na análise dos dois planos anteriores, falamos um pouco sobre a movimentação dos atores pelo plano, a encenação, agora vamos dar o destaque merecido, para isso vamos analisar um plano-sequência do filme, e examinar como a encenação se relaciona com a fotografia.
O plano começa com uma porta fechada. Portas são sempre uma boa forma de direcionar o olhar do público, e aqui terá um efeito cômico. O porta abre e Sebastian entra no seu apartamento e leva um susto imediatamente, mas logo reconhece a irmã lá, embora ela ainda esteja fora de quadro (Figura 6).
Ele vai em direção a ela e a câmera o segue, agora ambos estão em quadro (Figura 7). Eles têm uma leve discussão sobre a importância do banco que ela estava sentada. É uma encenação em linha, ou seja, os atores ficam lado a lado, com o corpo levemente inclinado para a câmera, como roupas no varal. É um tipo de encenação comum no formato de tela anamórfico, pois é uma forma de preencher o espaço do plano. Tal formato de tela tende a composições horizontais.
Mas o diretor parte para outro tipo de encenação logo em seguida. Ela se levanta e caminha para frente, em direção a outro cômodo, temos movimentação da câmera para a acompanhar, a movimentação para reenquadrar os atores é um padrão nesse plano-sequência. Sebastian fica ao fundo, temos aqui uma encenação em profundidade, com ações ocorrendo tanto no primeiro plano quanto no plano de fundo (Figura 8).
Ela se desloca mais ainda e começa a mexer em umas fotos no primeiro plano, Sebastian ao fundo não parece ter gostado (Figura 9). Através da encenação em profundidade, Chazelle justapõe ação e reação no mesmo plano, sem necessidade de cortar. Sebastian vai até ela para evitar que ela toque em algo que provavelmente é muito precioso para o Jazz, ou só pra ele mesmo, (Figura 10). Esse padrão se repete por toda a cena, motivando os personagens a andarem de um lugar para o outro do apartamento. Novamente a irmã se desloca e mexe em outras coisas de Sebastian, que vai tentar impedir (Figura 11 12).
Padrões de encenação, em linha e em profundidade, assim como de movimentação de câmera, também se repetem ao decorrer do plano. Ela se desloca novamente e volta para o banco, temos encenação em profundidade aqui (Figura 13). Sebastian finalmente desiste de tentar impedi-la de tocar nas coisas do seu sonhado clube de Jazz (Figura 14). O plano-sequência finaliza onde começou, na porta com a saída da irmã (Figura 15 e 16).
Virtuosidade modesta
Os três planos selecionados mostram um estilo suave de utilização de planos longos. O filme possui algumas cenas mais mirabolantes em plano-sequência, como o número de abertura Another day of Sun, mas o propósito dessa análise foi mostrar como a técnica é usada para servir a outros elementos fílmicos, dando espaço as performances e a encenação, sem deixar de ser extremamente cinematográfico.
A tendência do cinema de Hollywood moderno é o uso de planos curtos e próximos, que mostram apenas um elemento por vez e rapidamente partem para o próximo. Os planos selecionados de La La Land, assim como vários outros ao decorrer do filme, fogem dessa tradição. Chazelle conseguiu realizar um filme que encanta os olhos e ouvidos trazendo a tona elementos da mise-en-scene, que alguns podem chamar de teatral, mas estão bem longe disso.
Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.
[…] a própria câmera pode se movimentar. Falei bastante da movimentação de câmera nos textos sobre La La Land e sobre o Oscar. Aqui iremos focar em outros […]