No texto passado indiquei o funcionamento da forma narrativa em um filme.
Daremos continuidade à ideia de destrinchar a forma fílmica, iremos agora nos debruçar sobre a fotografia. Chamei de fotografia, como é comumente conhecida, porém o termo correto seja cinematografia. Muito embora a fotografia possua praticamente todos os aspectos da cinematografia, mas não possui um essencial, um dos elementos básicos do cinema, a mobilidade do quadro. Os elementos dentro do quadro se mexem assim como a própria câmera pode se movimentar. Falei bastante da movimentação de câmera nos textos sobre La La Land e sobre o Oscar. Aqui iremos focar em outros aspectos.
Dois elementos do estilo são responsáveis pela criação da imagem no cinema. A mise-en-scène (cenários, figurino, iluminação, atores) entra nas decisões que envolve “o que” está no quadro, enquanto a cinematografia é responsável pelas decisões de “como” está no quadro.
Perspectiva
Para entender esse como iniciemos pelos elementos que a fotografia e a cinematografia compartilham. A perspectiva é um deles. A perspectiva lida com questões de escala, profundidade e relações espaciais entre os elementos da cena. O nosso olho também lida com tais questões, mas no cinema podemos mudar as relações de perspectiva através da escolha da lente.
Cada tipo de lente irá criar um tipo de imagem diferente, que se distinguem pela distância focal delas. Podemos diferenciar três tipos básicos de lentes: a grande-angular, a lente normal (média) e a teleobjetiva. Cada uma terá um efeito diferente na imagem, assim como um efeito diferente no público. Vamos explorar os tipos extremos opostos: a grande-angular e a teleobjetiva. O motivo é que o uso bipolar dessas duas lentes em mesmo filme, até em uma mesma cena, é uma das características que marcam o cinema Hollywoodiano moderno.
O que faz a grande-angular? Ela irá exagerar a profundidade de campo, ou seja, aumentar a área que os elementos do plano estarão com foco nítido. Outro fator é que a lente irá ampliar a distância entre os elementos do plano, as coisas irão parecer bem mais afastadas do que realmente estão. Por consequência, caso uma figura se desloque ela irá chegar bem mais rápido a outra parte do plano. Ela terá efeitos de distorção também nas bordas do quadro, retas ficaram curvas. Figuras muito próximas da câmera também serão distorcidas, como se esticasse lateralmente. Veja os seguintes exemplos de O Grande Hotel Budapeste, dirigido por Wes Anderson.
Perceba como se vê com clareza várias partes do plano. Conseguimos ler avisos em diferentes lugares e entender a geografia do hotel. No plano das banheiras veja como as linhas se curvam, e a profundidade aqui será necessário pois o personagem Mr. Moustafa (F.Murray Abraham), dono do hotel, irá aparecer na última banheira e irá interagir com o jovem escritor (Jude Law). No incrível plano do trem, os soldados serão introduzidos de maneira engenhosa pela janela, anunciando a guerra. Veja como tudo está em foco, M.Gustave (Ralph Fiennes) no primeiro plano e os soldados no plano de fundo, todos os elementos aqui são importantes.
E qual o efeito da teleobjetiva? Ela irá reduzir os sinais de profundidade de campo, achatando o plano, tudo vai parecer mais próximo, geralmente apenas um elemento estará em foco. E assim como a grande-angular, também afeta o movimento dentro do quadro, as figuras parecem que levam mais tempo para chegar a algum lugar, pode dá a sensação de andar e andar e não sair do canto. Continuamos com o filme do Wes Anderson para os exemplos:
Note que são todos exemplos são planos próximos. A teleobjetiva é muito usada para close-ups. O desfoque ao redor do personagem enfatiza a sua expressão, diminuindo a quantidade de informação no plano, assim direcionando nosso olhar para o mais importante. O direcionamento feito pelas lente ajudam a criar outros efeitos, elas também têm função expressiva e simbólica, assim como decorativa. O plano com a personagem Agatha (Saoirse Ronan) andando de bicicleta a separa do mundo, no filme ela é uma imigrante, a marca no seu rosto do formato do México é ressaltada pela escolha de perspectiva feito pelo Wes Anderson. Noutro plano dela, é enfatizado o amor do personagem Zero (Tony Revolori) por ela, aos olhos dele só ela existe naquele momento.
As partes e relação entre as partes
Como pode ver, as definições dos efeitos das lentes se relacionam com o que está no quadro, ou seja, a mise-en-scène. Então, iniciando a resposta do título do texto, como analisar a fotografia de um filme, é preciso identificar as partes e como elas se relacionam com as outras partes da forma fílmica. Qual a função dela no contexto da cena? A arte cinematográfica possui inúmeras partes. É só olhar as categorias do Oscar para identificar vários deles. A articulação desses elementos pelo diretor e sua equipe darão ao público uma experiência.
A relação da cinematografia com a mise-en-scène é a primeira e mais clara. Elas compõem o plano fílmico. Mas também se relacionam com a montagem e com o som, ou outros dois elementos do estilo, assim como com a narrativa que está sendo construída. Quando um diretor dá um close-up ele quer que você preste bastante atenção a aquela parte para que possa construir a história do filme ou uma emoção específica.
Como colocado anteriormente, a teleobjetiva com sua baixa profundidade de campo e capacidade de focar apenas um elemento pode ser usada para direcionar o olhar do público para uma parte específica do plano, prestaremos atenção ao que está em foco. E quando existe apenas um elemento importante no plano torna-se mais fácil cortar rapidamente para outro plano, pois o público já pegou a informação. Está é uma relação com a montagem. Quando algum personagem começa a falar, nossa tendência é olharmos para ele. O som também pode ser usado para o direcionamento do olhar.
Então, outra pergunta a fazer é como o filme direciona o seu olhar? É através da mise-en-scéne, da cinematografia, da montagem ou do som? Ou da combinação entre eles? Aqui examinamos alguns exemplos de como a escolha de lentes faz isso, relacionando cinematografia com a mise-en-scène.
O foco da lente pode ser trocado durante o plano. É outra forma de direcionamento quando se está usando uma teleobjetiva. Comentei largamente sobre esse princípio nas análises de Fleabag e Parasita, que podem ser conferidas aqui no site. Irei me voltar então para o uso da grande-angular.
Como colocado anteriormente, é possível direcionar a atenção com um plano com pouca informação e também através de um corte, mas existem outras opções, me volto novamente a mise-en-scène. O cinema possui elementos de diversas artes, como teatro e pintura. Todos os aspectos da mise-en-scène, aspecto formal importantíssimo do cinema, também estão presente no teatro.
Todavia, embora os elementos sejam compartilhados, eles operam de forma bem diferente no cinema. Não se atua no cinema como se atua no teatro, não se posiciona os atores da mesma forma. O espaço fílmico é bem diferente do espaço teatral. Qual o formato do espaço fílmico? Essa é outra importante questão para se entender tanto o funcionamento da mise-en-scène como da cinematografia. O espaço fílmico é uma pirâmide deitada com a ponta voltada para a câmera. Podemos dividir esse espaço em três partes: primeiro plano, plano intermediário e plano de fundo. Quanto mais próxima uma figura da câmera, ou seja, no primeiro plano, mais espaço ela irá ocupar Então, outra pergunta a se fazer na análise é: como os elementos do plano se relacionam com o espaço fílmico?
O Espaço Fílmico
A grande-angular é uma lente que permitirá manter estas três partes do plano em foco. Se as três estão em foco há mais informação no plano, cortes rápidos não seriam uma opção tão viável aqui, o público precisaria de mais tempo para absorver a informação. Não é opção também o foco seletivo para direcionar a atenção. Quais opções o diretor pode recorrer? Irei explorar aqui as opções da mise-en-scène que interagem com o espaço.
A Encenação uma delas, como os atores são posicionados e se movem pelo plano. O movimento atrai nosso olhar. A frontalidade também, se uma ator está de costas e outro de frente, a nossa tendência é olharmos para o que está de frente. O ator que está de costas pode ficar mais próximo à câmera, ele irá bloquear boa parte do espaço fílmico devido sua forma piramidal, assim nosso olhar seria direcionamento para o resto do plano. Novamente, é hora de apreciar os planos criados por Wes Anderson.
As duas cenas se desenvolvem com a câmera fixa, com os elementos dele em foco e sem corte. A encenação é o elemento que Wes Anderson usa para contar a história e criar as relações entre os personagens, a segunda possui um uso primoroso de encenação em profundidade, devido à própria construção do cenário do Hotel, outra decisão criativa realizada pelo diretor.
Tais técnicas também podem funcionar em um plano que possua áreas fora de foco. Ainda notaríamos a movimentação, ficaria a decisão do diretor passar o foco ou não. Uma figura se movimentando fora de foco pode criar um efeito no público. Seriam decisões fotográficas em relação ao que está dentro do plano.
Pudemos discorrer como um dos elementos da cinematografia, a perspectiva, se relaciona com os demais aspectos da forma fílmica, principalmente a mise-en-scène. Exemplificando as partes e suas relações. O direcionamento de atenção é uma ótima ferramenta para identificar a função de um elemento no filme, principalmente no cinema narrativo, que é o que nós mais consumimos. No próximo texto, iremos aplicar tais questões em uma análise fílmica de O Grande Hotel Budapeste.
por Jonathan DeAssis
Instagram: @deassisjonathan
Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.
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