Oscar 2020: O estilo de Bong Joon Ho em Parasite

No meu texto anterior fiz a análise de um episódio de Fleabag, premiadíssimo no Emmy, agora chegou a hora do cinema. Estamos em plena temporada de premiações e rumo ao Oscar 2020. Os prêmios mais importantes da crítica, Critics Choice Awards e o Globo de Ouro, já revelaram seus indicados, assim como vários prêmios dos sindicatos. Com base em tais premiações, irei fazer a análise de estilo dos filmes que estão dominando e que provavelmente estarão no Oscar. E o primeiro filme da série de análises será Parasite, obra sul-coreana do aclamado diretor Joon-Ho Bong.

Aqui, gostaria de realizar uma análise comparativa do estilo de Parasite e o estilo dominante de Hollywood. O cinema americano é extremamente influente ao redor do mundo, principalmente nas produções comerciais. Vamos tentar descobrir como ele atua em um dos principais diretores sul-coreanos, se Bong replica ou revisa tais esquemas estilísticos. 

Torna-se importante definir que estilo dominante de Hollywood é esse. Certas técnicas no cinema americano moderno caíram em desuso, enquanto outras sofreram uma intensificação. E aqui destacamos quatro de cada grupo.  Na Hollywood atual, os seguintes esquemas se tornaram o estilo dominante: os planos estão mais curtos, enquadramentos mais próximos, uso de lentes de distância focal extrema, e a câmera está em constante movimentação. E o que os diretores deixaram de fazer como faziam no cinema clássico são os planos longos com câmera fixa, sustentar planos compostos (two-shot), frequentes enquadramentos de média e longa distância, e filmar com lentes de 50mm (dados extraídos das pesquisas de David Bordwell). Comecemos a falar de Parasite pelo uso de lentes.

Parasite em seu predomínio não tem profundidade de campo, mas faz encenação em profundidade. Uma coisa é manter todos os elementos do plano em foco, outra é utilizar as três camadas do espaço fílmico (primeiro plano, plano médio, plano de fundo) mesmo fora de foco, é o que Parasite faz com frequência. Veja os seguintes planos (Figura 1 e 2).

Figura 1 – Encenação em profundidade mesmo sem foco
Figura 2

Na figura 1, apenas um dos elementos está em foco, a mãe, enquanto primeiro plano e plano de fundo estão fora, mas os personagens estão espalhados por todo o plano. A lente teleobjetiva não possui profundidade de campo, ao contrário da grande-angular, e é a primeira que tá em uso por todo o filme. Mas um dos recursos que os cineastas podem fazer uso é foco seletivo, mudar o objeto de foco dentro do próprio plano, como Joon-Ho o faz quando a mãe olha para trás, agora o resto da família aparece em foco (Figura 3).

Figura 3 – Uso do foco seletivo

Agora refletimos a cena em comparação ao estilo dominante. Ela é composta de apenas dois enquadramentos distintos, se utilizando do shot/reverse shot, técnica comum de edição, mas não se utlizada da montagem análitica, onde os planos são decopostos em enquadramentos cada vez mais próximos à medida que a cena avança. Quando se fala em plano próximos no estilo dominante, está se falando de close-up, que são bastante abusados na Hollywood moderna, tanto que podem perder o seu efeito de ênfase. Aqui os close-ups são atingidos por técnicas de encenação (posição dos atores), não simplesmente mostrando apenas o rosto do ator, há sempre mais informação dentro do plano, mesmo fora de foco, e quando Bong decide mostrar a família ao fundo o faz através do foco, evitando o corte, criando assim planos mais densos, e podendo reservar os close-up ‘verdadeiros”  para os momentos de maior impacto.

Continuemos a análise na cena seguinte, que ainda mantém os mesmo atores, agora eles estão fora da casa. A câmera acompanha a saída das personagens, aqui temos a encenação em linha típica dos formatos anamórficos (Figura 4), discorri no texto de Fleabag sobre. Nos planos seguintes veja como as atrizes são enquadradas no centro do plano e a média distância, e o insert do pai também em condições similares, o plano respira, podemos ver os personagens inseridos nos cenários, fugindo dos planos próximos da atualidade. O espaço vazio do plano da dona da pizzaria será usado posteriormente de forma engenhosa (Figuras 5-6-7).

Figura 4 – Encenação em linha
Figura 5
Figura 6
Figura 7

O filho que tava colocando as caixas de pizza ao fundo avança para o primeiro plano para tentar acalmar a discussão, ocupando a parte direita do plano (Figura 8). A filha chega na espaço esquerdo, ocupando-0 (Figura 9), ainda podemos ver o outro funcionário ao fundo, embora fora de foco, e após a sua fala a filha se move para a direita do quadro, bloqueando-o, o funcionário não é mais importante para a cena. A mãe agora entra no quadro e ocupa o lado esquerdo deixado vazio, agora a dona da pizzaria está cercada por todos os eles, sentindo-se intimidada, encurralada (Figura 10). A cena finaliza com a câmera baixando, e ela pegando o dinheiro para pagá-los (Figura 11). 

Figura 8
Figura 9
Figura 10
Figura 11

A situação final é resolvida em apenas um longo plano à média distância, praticamente fixo, há uma leve movimentação de câmera. A atenção do público é guiada pela encenação e não pela montagem, mantendo a conexão entre os membros da família, agindo juntos para atingir um objetivo comum, um dos temas do filme. Aqui Bong se utiliza de técnicas que relembram o cinema clássico, utilizando as estratégias que caíram em desuso, e praticamente nada se assemelha ao estilo dominante da atualidade. Note que nenhum close-up foi usado nessas duas cenas.

Continuemos na cena seguinte. A família está reunida a mesa, todos enquadrados numa encenação em diagonal, com os filhos mais a frente e nos extremos do quadro, enquanto os pais centralizados e mais ao fundo (Figura 12). Esta disposição permitirá Joon Ho abusar do foco em diversos enquadramentos ao decorrer da cena.  Temos um corte para a janela da casa que dá pra rua, mesmo padrão de enquadramento visto no plano inicial do longa, dessa vez há uma bêbado querendo mijar na casa (Figura 13). A repetição gera motivs, que pode criar novos significados a medida do uso. O padrão das figuras 12 e 13 e repetido, aí temos o seguinte enquadramento (Figura 14) , é a filha que reclama agora do bêbado, repare no uso do foco. Como colocado anteriormente, a encenação escolhida por Bong torna o seu uso de foco efetivo e por sua vez consegue guiar a atenção do público com precisão mesmo num plano com tantos atores, diretores menos habilidosos recorrem a montagem e planos mais próximos para fazer o mesmo. 

Figura 12 – Encenação em diagonal
Figura 13 – Motiv recorrente no filme
Figura 14 – Preparação pra o close up

Voltamos à janela e um amigo do filho chega de moto, chamando a atenção da família. O plano anterior da família serviu de set-up para o enquadramento mais próximo do filho, que realmente não esperava pela chegada do amigo (Figura 15). O uso da teleobjetiva destaca o rapaz de toda a família, embora ainda possamos vê-la. Ele se levanta e a câmera acompanha, gerando assim o primeiro close-up, toda a construção estilística de Bong enfatiza aquele momento, sabemos que a visita do amigo será de grande importância, o aguardado close-up gerou o seu impacto. 

Figura 15 – Enquadramento mais próximo…
Figura 16 – Câmera sobre junto com o personagem para o close up separado da família

Nesta segunda cena analisada, Joon Ho continua se utilizando de planos mais afastados, a situação da janela é vista em long shot, e nos planos da família tende a manter o maior número de informação a cada plano, utilizando-se das técnicas de intensificação do estilo dominante só quando realmente é necessário. A baixa profundidade de campo, uso de foco seletivo, a encenação em profundidade, planos em distância média e longa, planos repletos de atores, são padrões estilísticos recorrentes em todo o filme, encorajo o leitor a identificá-los, e perceber como Joon Ho Bong constrói as suas cenas, não seria possível aqui traçar uma quantidade maior de cenas, deixo a diversão pra vocês também. E, quem sabe, identificar como o estilo do filme mostra a divisão de classes? A ascensão social? Uma dica, procure por linhas e escadas…

 


por Jonathan DeAssis
Instagram: @deassisjonathan

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Jonathan DeAssis
Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.
Jonathan DeAssis

Jonathan DeAssis

Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.

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4 anos atrás

[…] está usando uma teleobjetiva. Comentei largamente sobre esse princípio nas análises de Fleabag e Parasita, que podem ser conferidas aqui no site. Irei me voltar então para o uso da […]

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4 anos atrás

[…] de cada um? Há um excesso de close-ups? Para mais questões sobre o tema veja o meu texto sobre Parasita, onde confronto o filme com o estilo dominante de […]

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