1917 combina estilo e narrativa numa experiência única

Continuando os textos sobre os indicados ao Oscar 2020 (confira os de Parasite e Coringa) chegou a hora do 1917 de Sam Mendes. Mas esse texto será diferente dos anteriores. A atividade crítica apresenta três grandes grupos: o review, o ensaio e a escrita acadêmica. O ensaio como intermediário nesse esquema pode pender para o review ou pra academia, sendo este último tipo o que realizei nos últimos textos para a Revista Pagu. Só que agora irei adentrar no domínio do review

Dois soldados, Blake ( Chapman) e Schofield ( MacKay), recebem a missão de entregar uma mensagem para evitar um ataque, salvando assim 1600 soldados de uma armadilha do inimigo, sendo um deles irmão de Blake, tornando assim a missão pessoal, dando uma carga emocional extra a trama. Não recebemos mais informações que isso, estamos na perspectiva dos soldados, como apontei no texto anterior sobre Coringa, trata-se de uma narração restrita, temos acesso apenas ao que os soldados sabem e veem.

Aqui, o estilo de 1917  está em total sincronia com a narrativa pelo fato do filme simular um único plano-sequência (existem cortes escondidos), a fotografia está nas mãos do grande Roger  Deakins. A câmera acompanha os dois soldados por todo canto, estamos literalmente (ou cinematograficamente) presos a eles. O estilo enfatiza que a perspectiva da guerra que será mostrada nesse filme é a de soldados de baixo calão seguindo ordens. Fico feliz com a academia reconhecer o trabalho tanto em direção, como esperado, assim como em roteiro, compreendendo a complexidade narrativa do projeto. Ambos os critérios são inseparáveis para a construção dessa experiência, embora não tenha feito o mesmo por Mad Max – Fury Road (2015), negando-lhe a indicação a melhor roteiro.

Narrativa e estilo perfeitamente alinhados, mas qual o efeito no público dessa combinação? Tensão absoluta é um deles. Mas para isso funcionar, Sam Mendes constrói lentamente a expectativa através de diversas técnicas. Primeiro, nos mantendo na incerteza de se o inimigo recuou ou não; segundo, sempre adiando ao máximo algum acontecimento importante, opção narrativa amplificada pelo plano longo que causa a impressão de uma história em tempo real e pelo enquadramento sempre próximos dos atores, não temos ciência de todo o espaço, o inimigo pode vir de qualquer lugar fora da tela, e terceiro, o diretor nos mostra visualmente as consequências da guerra, inúmeros cadáveres pelo caminho, ratos inundando as trincheiras.

Chegou a parte dos elogios, a avaliação é dos pontos centrais do review. Partindo do terceiro ponto temos que enaltecer o excelente trabalho da direção de arte, cada novo cenário parece uma fase de videogame, com novos desafios, o trabalho da fotografia sugere essa associação ao mundo dos jogos, seja as tumultuadas trincheiras, a terra de ninguém cheia de buracos, corpos, ratos, ou um dormitório subterrâneo as escuras e com…ratos, sendo essa uma das cenas mais tensas da primeira parte do filme, devido a toda construção anterior citada. Os cenários funcionam para contar o que aconteceu antes assim como expressam uma sensação de morte aos dois protagonistas, do seu possível destino. Outros elementos da mise-en-scene como os efeitos especiais auxiliam na imersão, tendo como destaque a cena do avião e das explosões na batalha final, assim como ajudam as esconder os cortes.

Num filme repleto de proezas técnicas, os principais prêmios não repararam na dupla de atores protagonistas, não irei argumentar que deveriam ser indicados, mas são parte integral do filme, por estarmos tão próximos deles durante todo o tempo. É através deles que percebemos a fisicalidade da guerra, a dificuldade daquela missão, destaco a cena onde Scofield (George MacKay) precisa empurrar um caminhão, é passado toda a força de vontade do personagem para cumprir a missão, e a dor, através da encenação Mendes coloca apenas Scofield de frente para a câmera, enquanto os outros soldados estão de costas, num plano distante o diretor consegue direcionar a atenção do público mostrando a dificuldade física da ação e a emoção do ator sem em nenhum momento nos perdemos nos elementos do plano.

Aprecio cineastas que se colocam restrições durante a realização de um filme. Restrições criam problemas que necessitam de estratégias por parte dos cineastas para chegar a soluções, a busca por essas soluções pode proporcionar experiencias extraordinárias ao público, como é caso do “plano único” de 1917. Nolan é um excelente exemplo nesse caso, contar uma história de trás pra frente em Memento, ou fazer um filme clímax com três linhas narrativas fora de ordem em Dunkirk, são experimentos em narrativa, enquanto 1917 experimenta em narrativa e estilo. Filmes experimentos desafiam o público de diversas formas.

1917 é um filme de guerra que quer evitar a guerra, a missão dos soldados é cancelar um ataque, e vemos praticamente apenas relances e as consequências dela, corpos e feridos em agonia, o inimigo raramente é visto, apenas nas sombras. Há atos de heroísmo, mas o filme não é sobre isso, o segmento final do filme é uma reflexão sobre. O objetivo da missão é salvar 1600 vidas, mas o filme consegue mostrar o significado de apenas uma vida. Uma grande experiência criado por Sam Mendes e Roger Deakins, favoritos ao Oscar em direção e fotografia. 

 

Em outra oportunidade irei analisar uma cena individualmente do filme, discorrendo sobre todos os aspectos do estilo de 1917. Um último pensamento sobre o  formato review, aqui no Brasil normalmente chamado apenas de crítica, embora pontuado acima que é apenas um tipo dentro da atividade crítica. Tem como principal objetivo avaliação de uma obra, em outras palavras dizer se é boa ou ruim, evitando spoilers, servindo como uma recomendação do filme, embora também deve ser útil para quem viu o filme e queira ler sobre outras opiniões ou validar a sua.

Elementos do estilo geralmente são negligenciados, por requererem uma maior análise, assim, um maior espaço e repetidas revisões, assim como análise plano por plano, o que não é possível na realidade das instituições jornalísticas, de onde a review faz parte. Geralmente o filme é visto apenas uma vez em cabine de imprensa ou sessão normal e o texto é feito logo em seguida, contando apenas com aquela sessão. Faço a review aqui como exercício de escrita, trazer elementos do filme a partir das primeiras impressões após a sessão no cinema, ou seja, por memória e sensações da experiência. Meu objetivo em evidenciar os aspectos da review é chamar atenção para as diferentes atividades críticas e suas abordagens, e quem sabe gerar um debate saudável. 

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Jonathan DeAssis
Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.
Jonathan DeAssis

Jonathan DeAssis

Estudante de mestrado da UFRN. Aspirante a cineasta. Tenta analisar filmes.

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